Em uma carta aberta redigida com contundência rara, o teólogo e religioso Frei Clodovis Boff, da Ordem dos Servos de Maria, dirigiu-se aos bispos do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho) para denunciar, em tom profético e veemente, o que considera um desvio profundo na missão da Igreja na América Latina: a perda do primado de Cristo e o predomínio de uma agenda excessivamente social.
A missiva, datada de 13 de junho de 2025 — festa de Santo Antônio —, foi escrita após a leitura da mensagem final da 40ª Assembleia Geral do CELAM, realizada no Rio de Janeiro. Para Clodovis, a carta episcopal é marcada pela repetição exaustiva de temas sociais como justiça, paz e ecologia, enquanto silencia sobre o essencial da fé cristã: Cristo, sua graça e a salvação das almas.
“Os senhores bispos repetem sempre a mesma cantilena: social, social e social. Quando é que nos darão boas-novas de Deus, de Cristo e do seu Espírito?”, questiona Frei Clodovis, logo no início da carta.
Com base nas próprias palavras de Jesus — “os filhos pedem pão e vós lhes dais uma pedra” — o teólogo alerta que a Igreja tem ignorado o clamor espiritual do povo e priorizado questões que, embora legítimas, são melhor conduzidas por governos e ONGs. “As almas pedem o sobrenatural, e os senhores insistem em lhes dar o natural”, lamenta.
A carta também denuncia a ausência quase completa de menções substanciais a Deus e a Cristo nos textos do CELAM, criticando o que vê como uma superficialidade teológica que esvazia a verdadeira missão evangelizadora da Igreja. Segundo Clodovis, o anúncio explícito de Cristo ressuscitado e da vida eterna foi substituído por expressões vagas e genéricas, diluídas num discurso sociológico.
Ele ainda acusa o CELAM de não dar o devido valor às expressões vivas de espiritualidade que florescem em movimentos e comunidades eclesiais carismáticas, especialmente entre os jovens. “Enquanto no social quase só se veem ‘cabeças brancas’, no espiritual há uma corrida em massa dos jovens”, observa.
Frei Clodovis reconhece que a Igreja deve sim se envolver nos dramas sociais, mas “em nome de Cristo” e não como mera entidade humanitária. Ele adverte que, quando a fé deixa de informar a ação social da Igreja, o resultado é um ativismo ideológico que degenera em opressão. “Fará um social inconsistente, porquanto, sem o fermento de uma fé viva, a própria luta social se perverte”, afirma, citando São Paulo VI.
A carta é encerrada com uma conclamação urgente: “É hora de retirar Cristo da sombra e remetê-lo à plena luz. É hora de restituir-lhe a primazia absoluta”. Para Clodovis Boff, a Igreja precisa reencontrar seu “primeiro amor” e adotar um cristocentrismo “forte e sistemático”, que toque e transforme a vida interior das pessoas, da Igreja e da sociedade.
O documento, ao mesmo tempo confessional e provocador, remete a outro momento marcante da trajetória de Clodovis: seu afastamento da teologia da libertação, da qual foi um dos formuladores, ao perceber que, em suas palavras, a fé cristã havia sido colocada em segundo plano por certos setores do pensamento teológico latino-americano.
Com esta nova carta, Frei Clodovis Boff se ergue novamente como voz dissonante dentro da Igreja, não contra a caridade social, mas contra a sua absolutização. E, num tempo de tantas vozes dispersas, sua denúncia ecoa como um chamado: “Nada em absoluto preferir a Cristo.”
Leia aqui a carta completa do frei Clodovis ao Celam.