O Tocantins mergulhou em uma nova fase de tensão política após o governador em exercício Laurez Moreira (PSD) anunciar, nesta segunda-feira (3), a decretação de situação de emergência na Saúde estadual, durante coletiva de imprensa no Palácio Araguaia. O motivo, segundo ele, é um rombo financeiro estimado em R$ 1 bilhão, dos quais R$ 580 milhões seriam dívidas acumuladas na Secretaria de Estado da Saúde (SES).
A medida, que autoriza auditorias, revisão de contratos e renegociações com fornecedores, provocou forte reação do governador afastado Wanderlei Barbosa (Republicanos), que negou a existência de qualquer colapso nas contas públicas e acusou o ex-aliado de “fabricar uma crise artificial” para justificar ações excepcionais de gestão.
“Infelizmente, o Estado se encontra hoje em uma situação muito ruim. Enquanto o Tocantins gasta R$ 26 mil por leito, Araguaína gasta R$ 11 mil. Há algo profundamente errado na aplicação dos recursos”, disse Laurez Moreira.
Segundo o governador, o decreto de emergência visa dar transparência aos gastos e permitir que o governo restabeleça o equilíbrio financeiro do sistema de saúde, que, segundo ele, opera com sobrecustos e contratos sem respaldo orçamentário. Ele afirmou ainda que irá a Brasília buscar apoio do Governo Federal para evitar o colapso dos serviços.
“Hoje não é só pagar as contas. É mudar a maneira da gestão. Se for preciso, o gabinete do governador vai se instalar dentro da Secretaria da Saúde”, declarou.
Em nota oficial, o governador afastado Wanderlei Barbosa rebateu as declarações, afirmando que os números apresentados por Laurez são “superestimados e sem comprovação técnica”. Segundo ele, a Secretaria da Saúde tem orçamento anual superior a R$ 3,2 bilhões, e a existência de restos a pagar entre exercícios é algo normal na administração pública.
“Cerca de 10% desse valor, aproximadamente R$ 320 milhões, são contas de novembro e dezembro que naturalmente passam para o exercício seguinte. Isso ocorre em todas as gestões e não representa crise”, afirmou Wanderlei.
O ex-governador disse ainda que sua gestão pagou mais de R$ 700 milhões em dívidas herdadas, mantendo o funcionamento regular dos serviços e dos repasses a fornecedores e profissionais de saúde.
“Para chegar a esse número de R$ 580 milhões, só considerando dívidas prescritas há mais de cinco anos. Estão tentando fabricar uma crise artificial”, criticou.
O partido Republicanos anunciou que vai acionar a Justiça caso o decreto de emergência seja publicado, alegando que a medida abre brecha para contratações sem licitação e pode “criar ambiente propício a desvios de recursos públicos”.
A equipe de Wanderlei ainda destacou que, durante sua gestão, o Estado manteve equilíbrio fiscal, melhorou sua nota de capacidade de pagamento (Capag) junto à Secretaria do Tesouro Nacional de “C” para “B+” e investiu 18% da receita em saúde, 50% acima do mínimo exigido por lei.
O Servir, plano de assistência à saúde dos servidores estaduais, também virou ponto de atrito entre os dois grupos. Laurez afirmou que o plano acumula dívida de cerca de R$ 200 milhões com fornecedores, enquanto Wanderlei sustenta que, sob sua gestão, o programa foi regularizado e ampliado, com mais de R$ 100 milhões em dívidas antigas quitadas e expansão da rede credenciada.
Wanderlei ainda acusou o governo interino de reter repasses descontados da folha dos servidores, o que teria agravado a situação financeira do Servir.
“O que a atual gestão chama de déficit de R$ 50 milhões é, na verdade, a contrapartida normal do Estado para manter o equilíbrio do plano”, argumentou o governador afastado.
Nesta terça-feira (4), o secretário de Planejamento e Orçamento, Ronaldo Dimas, rebateu as críticas do Republicanos e classificou o governo anterior como “uma fábrica de crise para o Tocantins”.
“Que governo foi esse que não sabia quanto devia? Que contratava sem orçamento e sem lastro financeiro? Que não tinha qualquer controle sobre a execução dos serviços contratados?”, questionou Dimas.
De acordo com o secretário, a Saúde estadual dobrou seus gastos nos últimos anos de R$ 871,9 milhões em 2021 para R$ 1,63 bilhão em 2025, enquanto o número de internações cresceu apenas 21%.
“Um absoluto descompasso. Gastava-se muito e entregava-se pouco, num cenário de incompetência e desperdício do dinheiro público”, afirmou.
O secretário da Saúde, Vânio Rodrigues, reforçou que o atual governo herdou dívidas acumuladas por mais de seis meses com prestadores de serviço e que o decreto de emergência permitirá auditorias detalhadas com apoio da Controladoria-Geral do Estado, Tribunal de Contas, Ministério Público e Defensoria Pública.
“Assumimos a gestão com uma bola de neve que estava levando a saúde à falência. Nosso objetivo é colocar as contas em ordem e não deixar a população desassistida”, declarou.
Dimas acrescentou que o Servir também se tornou deficitário, exigindo R$ 35 milhões mensais acima do previsto, o que representa impacto anual de R$ 420 milhões.
O governo interino relacionou parte do desequilíbrio financeiro aos escândalos de corrupção investigados pela Polícia Federal, que envolvem o governador afastado e ex-integrantes de sua gestão.
Entre os casos citados estão o escândalo das cestas básicas, que teria desviado R$ 78 milhões e resultou no afastamento de Wanderlei Barbosa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), além da prisão do ex-secretário executivo da Educação, Edinho Fernandes, suspeito de integrar um esquema de desvio de R$ 1,4 bilhão em emendas parlamentares.
A disputa entre Laurez Moreira e Wanderlei Barbosa escancara a ruptura definitiva entre antigos aliados e aprofunda a polarização política no Tocantins. De um lado, o governo interino busca legitimar medidas emergenciais sob o argumento de caos administrativo; de outro, o grupo de Wanderlei acusa o atual comando de instrumentalizar uma crise fabricada para enfraquecer o adversário político.
Em meio a esse embate, o sistema público de saúde segue no centro do conflito entre a promessa de reestruturação e o peso de dívidas que dividem versões, interesses e narrativas.