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07/05/2024 às 11h51min - Atualizada em 07/05/2024 às 11h51min

Gravações ambientais clandestinas para fins eleitorais

O julgamento do STF no bojo do RE 1040515 (Tema 979)

Guilherme Barcelos

Poucas matérias foram tão controversas no âmbito do Direito Eleitoral Sancionador brasileiro quanto o debate que envolve a ilicitude das chamadas gravações ambientais clandestinas como “provas” acusatórias de eventual ilícito tipificado na legislação.

O tema, aliás, foi tratado por este que vos escreve mediante livro, hoje em quarta edição, publicado pela editora Juruá, de Curitiba, intitulado Processo Judicial Eleitoral e Provas ilícitas: a problemática das gravações ambientais clandestinas.

A primeira edição data de 2014.  E, de igual maneira, em memorial e sustentação oral realizada no bojo do mesmo RE 1040515 (Tema 979) representando o Amicus Curiae, União dos Vereadores do Brasil (UVB).

No último dia 26, o STF resolveu reputar como ilícitas as gravações ambientais clandestinas para fins eleitorais, assentando, a partir do voto proferido pelo ministro Dias Toffoli, a seguinte tese: são ilícitas as gravações ambientais clandestinas no âmbito do Direito Eleitoral, salvo se autorizadas judicialmente, ou realizadas em local aberto, desde que não haja qualquer controle de acesso. Votaram neste sentido: Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques e André Mendonça. Divergiram: Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin.
 

As gravações ambientais clandestinas são aquelas que registram o conteúdo de diálogos e que são promovidas por um interlocutor sem o conhecimento do outro. Trata-se, portanto, da captação premeditada e escamoteada do conteúdo de uma conversa, realizada por um dos participantes sem que o outro tenha conhecimento disso.

O sujeito induz o diálogo, capta o conteúdo sem o outro saber, registra o conteúdo, entrega a terceiros e estes fazem uso dele em juízo contra os seus adversários políticos. Logo, com a ressalva do STF, mas segundo o mesmo STF, é ilícita a prática de gravar clandestinamente um diálogo para depois usá-lo em processo acusatório eleitoral. As gravações ambientais clandestinas, ressalva à parte, são ilícitas e imprestáveis.

De acordo com o voto condutor do julgado, proferido pelo relator, ministro Dias Toffoli: a) No processo eleitoral, é ilícita a prova colhida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial e com violação à privacidade e à intimidade dos interlocutores, ainda que realizada por um dos participantes, sem o conhecimento dos demais; e b) A exceção à regra da ilicitude da gravação ambiental feita sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial ocorre na hipótese de registro de fato ocorrido em local público desprovido de qualquer controle de acesso.

Quanto à divergência inaugurada pelo ministro Barroso, assentou-se, em sede de minoria, que a prova deveria ser considerada lícita, diante de ilícito de natureza eleitoral, não havendo indução ou indício de flagrante preparado, seja em ambiente público, seja em ambiente privado.

Sustentamos, desde há muito, que a ilicitude/imprestabilidade das gravações ambientais clandestinas em matéria eleitoral possui várias razões. Não obstante encontre assento nodal na violação à privacidade, notadamente na perspectiva da reserva do diálogo, há outras causas, a saber: a) violação ao direito de não produzir provas contra si (nemo tenetur se detegere); b) violação ao artigo 369 do CPC e de como ninguém pode se beneficiar da própria torpeza; c) violação ao artigo 8-A da Lei das Interceptações e; d) flagrante preparado. Além disso, temos, de igual modo, a questão inerente à cadeia de custódia da prova.

A esse respeito, quero aqui trazer duas considerações adicionais. A primeira é acerca da preservação da cadeia de custódia da prova. E trago isso para dizer: ainda que a gravação venha a ser realizada em local público ou aberto, sem qualquer controle de acesso, o que chancelaria a sua licitude, não há como fugirmos da análise acerca de saber se a cadeia de custódia foi preservada ou não. Logo, mesmo assim, aparentemente lícita, se quebrada for a cadeia de custódia, a prova será imprestável e assim deverá ser reconhecida. Igualmente, diga-se, se autorizada judicialmente.

Já a segunda, e derradeira, é acerca do flagrante preparado. De modo que a tese fixada deve, a nosso ver, ser lida da seguinte forma: no processo judicial eleitoral, é ilícita a prova colhida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial e com violação à privacidade e à intimidade dos interlocutores, ainda que realizada por um dos participantes, sem o conhecimento dos demais.

A exceção à regra da ilicitude da gravação ambiental feita sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial ocorre na hipótese de registro de fato ocorrido em local público desprovido de qualquer controle de acesso, desde que não haja nenhum indicativo de induzimento ou instigação, que venha denotar hipótese de flagrante preparado. Com isso, penso, estará resolvida a questão.

Acertou, pois, o STF. São ilícitas, sim, as gravações ambientais clandestinas para fins eleitorais. Para além do acerto, que se encontra posto através da maioria da Corte, observado o julgamento ocorrido no bojo do RE 1040515 (Tema 979), há, de mais a mais, duas questões a serem enfrentadas, uma no âmago dos casos concretos, qual seja a preservação da cadeia de custódia da prova.

E outra, quiçá, pelo próprio STF e ainda agora, qual seja a questão inerente ao flagrante preparado, com a inclusão da seguinte ressalva: mesmo realizada em local aberto e sem controle de acesso, a prova não será lícita se houver indicativo de induzimento ou instigação, que venha denotar hipótese de flagrante preparado.
 


GUILHERME BARCELOS – Doutorando em Direito pelo IDP/DF. Mestre em Direito Público pela Unisinos/RS. Pós-graduado em Direito Constitucional (ABDCONST) e em Direito Eleitoral (Verbo Jurídico)

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