O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, decidiu nesta quinta-feira (20) algo que, em um país minimamente sensato, jamais teria sido posto em dúvida: uma empresa jornalística não pode ser tratada como criminosa por simplesmente reproduzir o que alguém disse numa entrevista — especialmente ao vivo — a não ser que haja má-fé comprovada ou uma negligência grotesca.
A decisão, que emerge de anos de insegurança jurídica, corrige um descompasso perigoso entre a prática jornalística e o entendimento jurídico sobre responsabilidade civil. No Recurso Extraordinário 1075412, o STF traçou finalmente uma linha clara entre o erro humano e o dolo malicioso, delimitando quando cabe, de fato, imputar a um veículo de comunicação o dever de indenizar por calúnia proferida por terceiros.
A decisão vem em boa hora. Vivemos tempos confusos, em que a liberdade de expressão, tantas vezes evocada como princípio absoluto, sofre ataques silenciosos em nome da correção política, da honra ferida e de uma crescente intolerância ao dissenso. E os tribunais, por vezes, têm sido cúmplices desse cerco, ora punindo excessivamente a imprensa, ora lavando as mãos diante do abuso do direito de falar o que se quer, sem consequências.
Mas a imprensa, por sua própria natureza, não é tribunal nem censura. Ela informa, intermedeia, registra — e o faz com o risco inerente de lidar com a palavra alheia, com a dúvida e com a urgência. Se cada entrevista publicada representar uma potencial ação judicial, se cada fala de um entrevistado se transformar numa ameaça à sobrevivência econômica do jornal ou do repórter, o resultado será o silêncio, o receio, a autocensura. E o país inteiro perderá.
O STF foi sóbrio. Deixou claro que não há imunidade absoluta para os veículos. Se houver má-fé — isto é, se o jornalista ou o editor souber que se trata de uma calúnia, ou se deliberadamente fechar os olhos para a gravidade do que está sendo dito —, então que responda. Mas que se prove. E se houver omissão quanto ao direito de resposta, que haja reparação. Responsabilidade, sim. Mas não culpa presumida.
Outro ponto relevante foi o tratamento diferenciado às entrevistas ao vivo. Não se pode exigir que o repórter vire oráculo ou que o apresentador se transforme em juiz instantâneo, cortando o microfone de quem eventualmente cruza a linha. O que se exige, com justiça, é que o veículo assegure o contraditório depois, com o mesmo espaço e destaque.
Há ainda a questão da permanência do conteúdo nas plataformas digitais. O STF determinou que, uma vez constatada a falsidade da imputação criminal, cabe ao veículo remover o material — espontaneamente ou mediante notificação. Parece óbvio, mas num país de impunidade e negligência digital, é um lembrete necessário: a liberdade de imprensa não é direito de perpetuar mentiras, mas também não pode ser condenada por tê-las publicado antes de saber que o eram.
Ao final, o Supremo oferece ao Brasil um entendimento que valoriza a história e a prática do jornalismo sério, mas impõe barreiras contra a leviandade. Não é pouco. Num tempo em que qualquer um vira jornalista no celular e qualquer tribunal se presta a espetáculo, a decisão resgata a dignidade da profissão — e lembra que calúnia não se combate com censura, mas com verdade e justiça.
A imprensa não é infalível. Mas, sem ela, o erro é maior.