Como professor e cidadão comprometido com a educação, sinto a necessidade de compartilhar reflexões sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o FUNDEB.
Especialmente pois não consigo visualizar momento melhor para uma retomada de parte da autonomia dos docentes da Rede Estadual de Ensino uma vez que apesar do número exorbitante de contratos temporários com vínculos precarizados o número de servidores efetivos cresceu minimamente.
O FUNDEB é, sem dúvida, a principal ferramenta de financiamento da educação básica no Brasil, reunindo uma "cesta" de impostos redistribuídos pela União a estados e municípios, com base em critérios como o número de estudantes, etapas e modalidades de ensino previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Com a Emenda Constitucional nº 108, de 27 de agosto de 2020, o FUNDEB foi institucionalizado como permanente, garantindo maior segurança e planejamento aos entes federativos.
No entanto, gostaria de direcionar a atenção ao FUNDEB do Tocantins, gerido pela Secretaria de Estado da Educação e vinculado ao Sistema Estadual de Educação. Temos assistido a uma crescente discussão entre os docentes da Rede Estadual sobre o Plano de Cargos, Carreira e Remuneração dos Profissionais da Educação (PCCR).
Essa questão afeta diretamente o fundo que financia as escolas da Rede Estadual de Ensino, que detém o segundo maior orçamento do estado, superando R$ 1 bilhão de reais anualmente. Porém, apesar desse montante de recursos significativo, os profissionais da educação continuam a receber um dos piores salários do serviço público estadual.
Desde a promulgação da Emenda Constitucional que tornou o FUNDEB permanente, esperava-se que avanços no financiamento da educação refletissem melhorias em todo o país até 2026. No caso do Tocantins, dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos revelam um crescimento expressivo nos repasses entre 2020 e 2023.
Os dados demostram um aumento significativo na constituição do FUNDEB da Rede Estadual de Ensino nos últimos anos e até o momento em 2024 as transferências somam R$ 915.560.116,73. A Lei Federal nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020 que institucionalizou o FUNDEB como permanente aumentou os percentuais constitucionais de utilização dos recursos passando de 60% para 70% o limite mínimo para pagamento dos profissionais da educação e de 40% para 30% manutenção e desenvolvimento de ensino (MDE).
Isso explica, por exemplo os motivos pelos quais todas as progressões verticais e horizontais que estavam atrasadas a anos foram pagas, pois o aumento de 10% na parcela dos 60% implicou na necessidade obrigatória de utilizar mais de 100 milhões de reais com pagamentos que configurassem remuneração, pois caso os percentuais não fossem cumpridos o estado correria o risco de entrar no “SPC” dos entes federados: o CAUC.
O CAUC é um serviço que disponibiliza informações acerca da situação de cumprimento de requisitos fiscais necessários à celebração de instrumentos para transferência de recursos do governo federal, pelos entes federativos, seus órgãos e entidades, e pelas Organizações da Sociedade Civil (OSC).
O discurso por vezes politizado de que “foram pagos direitos antigos” recai sobre a obrigatoriedade do Novo FUNDEB que ao mesmo tempo que se comprometeu a aumentar os repasses da União ao Estado do Tocantins vinculou esse percentual ao aumento salarial dos profissionais. Diversos Estados Brasileiros aproveitaram essa oportunidade e aumentaram substancialmente o seu quantitativo de profissionais efetivos e melhoraram de maneira significativa o salário base dos profissionais da educação.
Na contra mão deste cenário o Sistema Estadual de Ensino do Tocantins ainda patina com relação a valorização mesmo possuindo orçamento adequado. O cenário se torna ainda mais desolador ao analisarmos o quantitativo de vínculos empregatícios de servidores efetivos e/ou contratados com a Rede Estadual de Ensino entre 2020 e 2024.
Os dados do Sistema de Informações sobre orçamentos públicos são avassaladores uma vez que a União ao se comprometer com o aumento dos repasses até 2026 com a finalidade de valorizar os profissionais da educação básica, e melhorar a qualidade do ensino, os aumentos ocorridos na Rede Estadual de Ensino do Tocantins revelam que os recursos foram utilizados para injetar milhares de contratos temporários nas escolas.
Em Novembro de 2020 na esteira da aprovação da Nova Lei do Fundeb a Secretaria de Estado da Educação possuía em torno de 10.632 contratos temporários, o número quase dobra em Novembro de 2021 passando para 18.082, em Novembro de 2022 o valor retorna a casa dos 10.000 porem em 2023 o número de contratos temporários excede valores exorbitantes, com mais de 23.000 contratos temporários e atualmente em Agosto de 2024 somam 19.508 contratos temporários.
O aumento exacerbado de contratos temporários na Rede Estadual de Ensino está em desacordo com diversas leis federais e princípios que regulamentam a contratação de pessoal no serviço público, além de violar direitos dos profissionais da educação.
As principais legislações que estão sendo descumpridas, incluem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394/1996 que estabelece que a educação básica deve ser realizada com a valorização dos profissionais da educação e que os recursos para o financiamento da educação devem ser utilizados para promover uma educação de qualidade epermanente. Além disso, o artigo 61 da LDB determina que a contratação de professores temporários deve ser a exceção, e não a regra.
O uso excessivo de contratos temporários fere o princípio de estabilidade e a valorização da carreira docente, além de comprometer a continuidade e a qualidade do ensino desvelando interesses políticos/partidários que em uma teia de manutenção de mandatos de vereadores, deputados estaduais, federais, senadores e integrantes do governo aparelham o serviço público estadual e contribuem para o aumento da precarização dos serviços públicos e do coronelismo.
Para além disso, a Lei nº 14.113/2020 (Nova Lei do FUNDEB) estabelece que os recursos federais destinados à educação devem ser usados de forma a garantir a valorização dos profissionais da educação. O aumento de contratos temporários contraria o intuito da lei, que visa a garantir a formação contínua e a ampliação do quadro de servidores efetivos, além de melhorar as condições de trabalho dos profissionais da educação.
O uso político/partidário de contratos temporários prejudica a aplicação dos recursos do FUNDEB, direcionando-os para despesas de curto prazo, em vez de investir em políticas que assegurem a melhoria contínua da educação.
A Constituição Federal – Artigo 37 também é ignorada pela Secretaria de Estado da Educação, pois estabelece os princípios da administração pública, sendo um deles a estabilidade no cargo público, que deve ser garantida aos servidores efetivos após aprovação em concurso público.
O uso excessivo de contratos temporários diante de um cenário com milhares de Professores Aprovados em Concurso Público Realizado a menos de 2 anos para funções permanentes, como o caso de professores e outros profissionais da educação, fere esse princípio da estabilidade e compromete a legalidade das contratações, pois contratos temporários devem ser utilizados apenas para situações excepcionais, temporárias ou urgentes, e não para cargos permanentes.
E ainda a Lei Federal nº 8.745/1993 que regula a contratação temporária para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, mas exige que as contratações temporárias sejam feitas apenas para situações específicas e transitórias, como, por exemplo, substituição de servidores afastados ou demandas excepcionais.
A utilização sistemática e em grande escala de contratos temporários no sistema educacional do Tocantins para funções efetivas, como as de professores e outros profissionais da educação, configura um desvio de finalidade dessa legislação. Uma vez que estamos discutindo sobre financiamento da educação, contratos temporários, e precarização dos serviços públicos, o que está na ponta da Língua dos Professores da Rede Estadual de Ensino se refere a possível (e pelo visto apenas possível) reformulação do Plano de Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR). Atualmente, a Rede Estadual de Ensino do Tocantins remunera seus profissionais com um salário inicial de R$ 5.880, para professores efetivos.
O valor encontra-se bem abaixo de diversos estados brasileiros e fica abaixo de centenas de municípios. Porém, com a promessa de reformulação do PCCR diante dos dados apresentados anteriormente com excessivo número de contratos temporários, a categoria encontra-se desesperançada (do verbo esperançar) uma vez que em 2024 existe mais de 19 mil servidores contratados.
Dados do SIOPE também apontam que até o 4º bimestre de 2024 mais de 76% dos recursos do fundo foram utilizados para remuneração dos profissionais. A pergunta que todos se fazem é: se o mínimo exigido pela Nova Lei do Fundeb é de que 70% dos recursos sejam utilizados com folha de pagamento e até a atual data 76% já foram utilizados, como esse PCCR será reformulado?
A Comissão Institucionalizada com mais representantes do Governo que da sociedade civil organizada tem deixado a “deriva” a educação tocantinense em virtude do coronelismo porem nas redes sociais da Secretaria de Estado da Educação tudo está indo de “vento em poupa” só não se sabe para onde.
Por fim, concluímos que após estudo conciso da legislação que versa sobre financiamento da educação, e o FUNDEB ocorreram avanços de 2020 a 2024 porém não por “boa vontade” ou por conhecer o “chão da escola” como muitos que ocupam funções de gestão educacional espalham nas dezenas de eventos realizados, mas por força de Leis Federais que vincularam a utilização de recursos do FUNDEB a percentuais mínimos constitucionais (70% e 30%).
Diga se de passagem, no Tocantins avanços como pagamento de progressões atrasadas, garantia de direitos de professores, realização de concursos públicos só ocorrem quando leis federais se colocam em pauta. Espera-se que os professores da Rede Estadual de Ensino compreendam que não existem “bem feitores” que se utilizam do desconhecimento técnico de parcela significativa dos professores tocantinenses que, tragicamente, não possuem tempo para se quer fazerem estudos das leis que regem sua própria carreira profissional pois estão atolados de serviços burocráticos e interferências externas que mais atrapalham do que auxiliam a escola a efetivarem educação de qualidade.
O contexto não é dos melhores, por isso considera-se a reflexão de Paulo Freire o Patrono da Educação Brasileira que afirmava que a esperança do verbo esperar não é esperança, mas espera. Para ele, a esperança é uma necessidade ontológica que precisa de prática para se tornar concreta.
A esperança do verbo esperançar é a esperança que se baseia na ação, na busca, na construção e na não desistência daquilo que é nosso e dos estudantes tocantinenses.
Prof. Maycon Cardoso é Mestre em Educação (2024) pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), linha de pesquisa Estado, Sociedade e Práticas Educativas. Licenciado em Pedagogia (2018) pelo Instituto Educacional Santa Catarina (IESC/FAG). Especialista em Gestão, Orientação e Supervisão Escolar (FAEL, 2020), Gestão Estratégica de Investimentos na Educação Básica (ENSP/Fiocruz, 2024) e Docência para a Educação Profissional Tecnológica (IFTO, 2024). Especializando em Políticas Públicas para Cidades Inteligentes (MBA/USP). Professor efetivo da Educação Básica pela Secretaria Municipal de Educação de Colinas do Tocantins (desde 2021), onde atuou como Supervisor Pedagógico (2021), Orientador Educacional (2022), Diretor Escolar (2022-2023) e Técnico Educacional (2023). Também atuoso como Conselheiro do Conselho Municipal de Educação (2022-2023) e Coordenador do Fórum Municipal de Educação (2021-2023). Professor da Secretaria Estadual da Educação (desde 2024), foi Gerente de Currículo na Diretoria de Currículo e Avaliação da Aprendizagem (2024), Professor Regente (2020-2021) e Coordenador Pedagógico (2021). É membro do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação Municipal (EPEEMun/UFT) e filiado à ANPAE. Participou do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB/TO (2021-2024). Atuou como Coordenador Pedagógico e Professor no Curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade de Colinas (2019-2020) e especificações a maior Conferência Intermunicipal de Educação do Tocantins, envolvendo 9 municípios (2022). Tem experiência nas áreas de Políticas Educacionais, Gestão da Educação, Planejamento, Financiamento e Direito à Educação , com ênfase em conselhos, fóruns, conferências e planos de educação.