03/05/2024 às 13h37min - Atualizada em 03/05/2024 às 13h37min

STF define que MP precisa motivar abertura de investigação contra conduta de policiais

Corte concluiu nesta quinta-feira (2/5) julgamento que definiu parâmetros para que o MP faça investigações criminais

Flávia Maia - Correio do Tocantins
Sessão plenária do STF / Crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) finalizaram nesta quinta-feira (3/5) o julgamento que discute a autonomia do Ministério Público para realizar investigações penais. A tese aprovada permite que o MP instaure e conduza investigações criminais, no entanto, traz parâmetros para essa atuação. Por exemplo, o STF fixou prazo para as investigações – equiparou aos prazos do inquérito policial, antes era o próprio MP que estabelecia prazos e não havia controle externo.

Além disso, o tribunal deixou clara a necessidade de autorização judicial para abertura e prorrogação de Procedimento de Investigação Criminal (PIC) aberto pelo Ministério Público. Ou seja, o promotor deverá comunicar ao juiz que abrirá a investigação e, passados os prazos legais, ele terá que pedir ao magistrado maior prazo para continuar a investigação, caso necessite.

Por fim, a Corte decidiu pela motivação para a abertura de investigação contra a conduta de policiais em ações com mortes e ferimentos graves. O MP também deverá explicar porque não instaurou procedimento.
 

Na sessão anterior (25/4), os ministros já tinham o consenso sobre a legitimidade do MP para investigações criminais e a necessidade de que o órgão comunique ao Judiciário a instauração e o procedimento investigatório. No entanto, havia divergência quanto à necessidade de autorização judicial para prorrogação da investigação. O ministro Flávio Dino defendia a autorização judicial apenas nos casos de investigados presos.

Outro tópico que havia ficado em aberto dispunha sobre a obrigatoriedade do Ministério Público instaurar procedimento investigatório sempre que houver suspeita de envolvimento de policiais em infrações penais e mortes decorrentes do uso de arma. Neste caso, tanto Dino quanto o ministro Alexandre de Moraes entendiam que o procedimento não deveria ser obrigatório, sob pena de responsabilidade funcional. Para eles, o MP deveria instaurar procedimento se entendesse pelo abuso na atuação policial.

Foi fixada a seguinte tese:

  1. O Ministério Público dispõe de atribuição concorrente para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado. Devem ser observadas sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais da advocacia, sem prejuízo da possibilidade do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição (tema 184).

  2. A realização de investigações criminais pelo Ministério Público tem por exigência: (i) comunicação imediata ao juiz competente sobre a instauração e o encerramento de procedimento investigatório, com o devido registro e distribuição; (ii) observância dos mesmos prazos e regramentos previstos para conclusão de inquéritos policiais; (iii) necessidade de autorização judicial para eventuais prorrogações de prazo, sendo vedadas renovações desproporcionais ou imotivadas; iv) distribuição por dependência ao Juízo que primeiro conhecer de PIC ou inquérito policial a fim de buscar evitar, tanto quanto possível, a duplicidade de investigações; v) aplicação do artigo 18 do Código de Processo Penal ao PIC (Procedimento Investigatório Criminal) instaurado pelo Ministério Público.

  3. Deve ser assegurado o cumprimento da determinação contida nos itens 18 e 189 da Sentença no Caso Honorato e Outros versus Brasil, de 27 de novembro de 2023, da Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH, no sentido de reconhecer que o Estado deve garantir ao Ministério Público, para o fim de exercer a função de controle externo da polícia, recursos econômicos e humanos necessários para investigar as mortes de civis cometidas por policiais civis ou militares.

  4. A instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público deverá ser motivada sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que mortes ou ferimentos graves ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes. Havendo representação ao Ministério Público, a não instauração do procedimento investigatório deverá ser sempre motivada.

  5. Nas investigações de natureza penal, o Ministério Público pode requisitar a realização de perícias técnicas, cujos peritos deverão gozar de plena autonomia funcional, técnica e científica na realização dos laudos.

Prazos de investigação: como era e como ficou

A partir de agora, o Ministério Público tem os mesmos prazos de investigação da Polícia Civil e Federal – 10 a 60 dias, contando com as possibilidades de prorrogação e a condição do réu, se preso ou não. Antes, não havia uma previsão legal de prazo máximo de duração de uma investigação no MP, assim, ele poderia perdurar enquanto exista justa causa para manter os procedimentos investigatórios.

Até então, os prazos de referência para a investigação eram estabelecidos por resoluções do Conselho Superior do Ministério Público e do Conselho Nacional do Ministério Público – no caso do Procedimento de Investigação Criminal (PIC), a regra era que ele deveria durar 90 dias, mas poderia ser, fundamentadamente, prorrogado por igual período. Na prática, prorrogava-se de 90 em 90 dias, desde que haja diligências pendentes e sem um prazo final. Dessa forma, a decisão do Supremo retirou do MP a prerrogativa de estabelecer os próprios prazos.

Repercussão

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e procurador Regional da República, Ubiratan Cazetta, destaca que a afirmação da capacidade de investigação pelo Ministério Público é importante porque já encerra essa discussão. Cazetta destaca que esse julgamento alinhado à figura do juiz de garantias vai fazer com que o Brasil possa fazer a transição do modelo do Código Penal de 1940, cujo modelo é de um juiz mais acusador para uma sistema em que cada um tem a sua função melhor definida: juiz, MP e defesa.

No entanto, ele pondera que a decisão peca ao estabelecer um prazo para renovação e ao submeter essa renovação ao juiz.
 

“Ao contrário do que disse o ministro Gilmar [Mendes] não me parece que esteja submetida a uma reserva de jurisdição a renovação da investigação. Nenhum de nós quer a opacidade do Ministério Público que luta tanto pela transparência e quer transparência também em sua investigação e também quer evitar que as investigações se prolonguem indefinidamente”, afirmou.

Para o procurador, essa submissão ao juízo pode deixar a investigação mais burocrática e afastar a função do juiz de garantias. Cazetta ressalta que não se refere a “situações grotescas” em que uma investigação se arrasta ou um caso em que o promotor deixa uma investigação aberta, até que um dia apareça um dado.

Cazetta afirmou ainda a importância do STF reafirmar a necessidade de o estado brasileiro atuar nos casos de letalidade policial.

Na opinião de Guilherme Cremonesi, advogado especializado em direito penal e sócio do escritório Finocchio & Ustra, o julgamento do STF traz uma “regulamentação” à atuação do Ministério Público, trazendo mais segurança às partes. Em sua visão, o julgamento reduz as chances de arbitrariedades porque delimita prazos e coloca o Judiciário para ter conhecimento do que está sendo investigado.

“O julgamento é bastante benéfico não só para o advogado – que vai poder ter acesso e vai poder acompanhar de uma maneira que o cliente dele não sofra nenhum prejuízo nessa investigação – quanto para o próprio investigado, que terá a certeza que todo procedimento investigatório está passando pelo crivo do Judiciário e que, caso tenha alguma arbitrariedade, o advogado também pode se opor e de manifestar”, defende. 

Autonomia do Ministério Público

O tema é discutido nas ADIs 2.943, 3.309, 3.318, 3.329, 3.337, 3.034, 2.039 e 3.317, propostas pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, a Adepol, e pelo Partido Liberal, PL. O relator é o ministro Edson Fachin.

Fachin já havia votado, no julgamento virtual, pela autonomia do Ministério Público em realizar investigações penais. O ministro Gilmar Mendes abriu a divergência no plenário virtual, ao votar para que a realização de quaisquer investigações criminais pelo Ministério Público pressupõe efetivo controle pela autoridade judicial competente. Na ocasião, ele foi acompanhado por Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.

Como o voto foi transferido para o plenário presencial por pedido de destaque de Fachin, o placar foi zerado, mantendo-se apenas o voto de Lewandowski, pois já se aposentou da Corte.

 


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