A 10ª Zona Eleitoral de Araguatins proferiu, no dia 14 de outubro, uma das decisões mais duras da história política recente do Tocantins. Em sentença assinada pelo juiz José Carlos Tajra Reis Júnior, todos os mandatos vinculados ao MDB nas eleições municipais de 2024 foram cassados por fraude à cota de gênero, prática considerada grave pela Justiça Eleitoral por desvirtuar a representatividade feminina nas disputas proporcionais.
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) foi movida pela coligação “Araguatins Não Pode Parar” e pelo prefeito reeleito Aquiles Pereira de Sousa, tendo como alvos seis investigados, entre eles o vereador Miguel Pereira Silva e a candidata Luana do Nascimento Silva.
O ponto central da denúncia era a suposta candidatura fictícia de Luana, lançada apenas para preencher o percentual mínimo de 30% de mulheres exigido pela legislação. As provas apresentadas mostraram que a candidata teve zero votos, não movimentou recursos de campanha e não participou de nenhum ato público.
Durante as audiências, inclusive testemunhas da própria defesa confirmaram a inatividade de Luana. Um dos depoentes, Cláudio Carneiro Santana, afirmou “nunca ter visto ela trabalhando em campanha”. Outros, como Pedro Gomes dos Santos e Antônio Edson Rodrigues Gomes, disseram só ter tomado conhecimento da candidatura após as eleições.
O MDB sustentou duas teses principais. A primeira, de que houve perseguição política orquestrada pela gestão municipal, com tentativas de suborno e intimidação de candidatos. A segunda, de que fatores financeiros e o curto prazo de campanha impediram a atuação mais ativa das candidatas.
A candidata Catiane Santana Oliveira, que obteve 32 votos, declarou ter sofrido pressão direta do prefeito. Já Luana Silva disse ter deixado a cidade no dia do pleito por temer pela própria segurança.
Apesar disso, o juiz Tajra Reis considerou que os argumentos não afastaram a evidência de fraude. “A ausência de recursos financeiros não é empecilho para que os candidatos realizem atos de campanha, como comícios ou o simples ato de pedir votos”, destacou na decisão.
Com base na Súmula nº 73 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o magistrado aplicou critérios objetivos: votação zerada, ausência de movimentação financeira e inexistência de atos de campanha configuram o dolo de fraude à cota de gênero.
O juiz também citou o precedente de Jacobina (BA), julgado pelo TSE em 2022, que consolidou o entendimento de que, uma vez comprovada a irregularidade, todos os candidatos do partido devem ser punidos, independentemente de participação direta.
A sentença cassou o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do MDB de Araguatins, anulando os votos obtidos pela legenda e os diplomas de todos os seus candidatos.
O vereador Miguel Pereira Silva, eleito e então presidente do partido, foi declarado inelegível por oito anos, mesma pena aplicada a Luana do Nascimento Silva. Os suplentes Adailton Brito, Catiane Santana Oliveira, Marcionil Santos Amaral e Valdenan Ribeiro de Sousa também perderam seus diplomas.
A decisão determina ainda a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário, o que deve alterar a composição da Câmara Municipal e beneficiar partidos da base aliada do prefeito Aquiles Pereira.
A sentença ainda não transitou em julgado. O MDB e os demais investigados podem recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO). O recurso tem efeito suspensivo, o que mantém a atual configuração política até decisão definitiva.
Somente após o esgotamento dos recursos o cartório eleitoral poderá efetivar o recálculo dos votos e diplomar os novos vereadores.
A decisão tem grande impacto no equilíbrio político de Araguatins, reduzindo a representação da oposição na Câmara e fortalecendo o grupo político ligado ao atual prefeito.
Mais do que uma disputa local, o caso se insere no contexto nacional de endurecimento da Justiça Eleitoral contra fraudes à cota de gênero, mecanismo criado para assegurar espaço real às mulheres na política.
Juristas e analistas consideram que decisões como essa reafirmam o compromisso da Justiça Eleitoral com a igualdade de participação e com a responsabilização coletiva dos partidos que tentam burlar a lei.
Em Araguatins, a sentença ecoa como um alerta: a cota de gênero não é um número a ser preenchido é um princípio que deve ser respeitado.