A cada dois anos, os institutos de pesquisas eleitorais do país são colocados na vala dos grandes males que afligem a política brasileira. De tempos em tempos, as empresas são acusadas de contribuir para o deterioramento do sistema de eleições, pois, na visão dos acusadores, praticariam levantamentos de intenções de votos falhos, que não demonstrariam a real vontade do povo, quando não direcionados para atender aos interesses escusos. Invariavelmente, o ataque às pesquisas parte de quem está atrás nas estatísticas, pois estas, segundo o entendimento do grupo político que não lidera a disputa, interfeririam diretamente na escolha do eleitor, compelido a trocar de candidato para fazer valer o voto útil.
Nos dias seguintes ao fim da apuração de votos do primeiro turno da eleição deste ano, aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL), e órgãos públicos como a Polícia Federal e o Cade, partiram com sanha para cima das empresas de pesquisa. Alegação? De que os levantamentos estatísticos erraram acima da margem na disputa à Presidência e em algumas praças onde candidatos da base bolsonarista foram melhores do que as pesquisas indicavam. Vale ressaltar que as consultas de opinião são termômetros de momento e, em tempos de redes sociais, as oscilações tendem a ser mais abruptas e rápidas, uma vez que a campanha segue até o momento que o eleitor vai para urna.
As ações, que parecem orquestradas, buscam mais o descrédito das pesquisas de intenção de voto junto ao eleitorado, a poucos dias do segundo turno, do que propor um debate sério e construtivo para melhorar os levantamentos. Os defensores de tais medidas poderiam, por exemplo, propor que as empresas fossem registradas ao Conselho Federal de Estatística, para que o órgão pudesse realizar fiscalizações rotineiras. Poderiam ainda buscar apoio da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa para achar saídas para a correção dos rumos apontados como equivocados e a observância de um código de ética que exija um mínimo de qualidade nas pesquisas. Ou até mesmo a Justiça Eleitoral criar caminhos para fiscalizar de fato os levantamentos. Mas preferiram medidas destinadas para os holofotes dos grupos de redes sociais.
É o caso da proposta do líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara Federal. O Projeto de Lei 2.567/2022, do deputado Ricardo Barros (PP-PR), prevê punição aos responsáveis por pesquisa que apresentem números divergentes dos resultados oficiais da eleição. A "lei da mordaça" de Barros aos institutos estabelece reclusão de quatro a dez anos e multa para quem publicar levantamento divergente nos 15 dias anteriores ao pleito. O PL 2.567/2022 estabelece que responderão pelo "crime" o estatístico responsável pelo levantamento divulgado e os representantes do instituto de pesquisa e da empresa contratante da pesquisa. Um crime que sequer existe. O projeto não passou por comissões, não foram convocadas audiências públicas e especialistas não foram consultados pelo parlamentar. Mesmo assim, presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), vem manobrando a pauta para tentar colocar a proposta em votação. A urgência para a votação, que permite acelerar a tramitação do projeto, foi aprovada terça-feira (18) pela Câmara dos Deputados.
Não se levou em conta que o governo federal atrasou a realização do Censo – parte por causa da pandemia de coronavírus, parte por corte orçamentário – e que a base das consultas são números defasados. Então, por quê a pressa em aprovar uma proposta tão polêmica? A resposta me parece clara. A base aliada do governo quer censurar as pesquisas por elas não serem positivas até o momento à tentativa de reeleição de Bolsonaro.
No Senado, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), também da base governista, apresentou projeto similar. O PL 2.558/22 também quer penalizar as instituições e empresas que fizerem pesquisas de opinião pública sobre eleições com resultados fora das margens de erro contidas no registro no Tribunal Superior Eleitoral.
Em ambas as propostas, as alegações dos parlamentares é de que o resultado do primeiro turno teria demonstrado que os institutos erraram além da margem de erro indicada nos levantamentos na disputa pela Presidência. Mas vale lembrar que há meses o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem liderando todas as pesquisas elaboradas por instituições sérias. A votação final do petista, em 2 de outubro, ficou dentro da margem apresentada. Os mesmos levantamentos já vinham demonstrando que a diferença de Lula para Bolsonaro oscilava para menos. Às vésperas do pleito, a migração de votos, principalmente de Ciro Gomes (PDT) e de indecisos, para Bolsonaro mostrou que o "voto útil" acabou favorecendo ao atual presidente, já que impediu uma vitória do petista ainda maior no primeiro turno.
Com um Congresso subserviente ao Planalto, restou ao Tribunal Superior Eleitoral barrar outras ações do governo contra os institutos por ausência de justa causa. O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, alegou incompetência absoluta do Cade e da Polícia Federal para uma apuração do tipo no período eleitoral. Alexandre Cordeiro, presidente do Cade, havia determinado a abertura de investigação contra as empresas de pesquisa por suposto cartel para manipular as eleições. Cordeiro é ligado ao ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro, Ciro Nogueira. A Polícia Federal entrou no caso por determinação do ministro da Justiça, Anderson Torres. Mas o leitor deve se perguntar: o que o Cade, um órgão tem deve zelar pela livre concorrência no mercado, tem a ver com isso?
Desde 2018, com a prisão do ex-presidente Lula e a eleição de Bolsonaro para a Presidência da República, estamos vendo um crescente acirramento nos debates políticos no país. Favorito na eleição daquele ano, Lula foi tirado da disputa por causa da Lei da Ficha Limpa, o que abriu caminho para a vitória de Bolsonaro, até então um deputado federal pouco atuante na Câmara Federal. O palanque eleitoral nunca foi desfeito. O clima hostil dividiu famílias e amigos. Crimes foram cometidos em nome desta disputa. A violência também se estendeu às pesquisas de opinião, com diversos casos de ameaças e agressões a profissionais que realizam as entrevistas de campo registrados em todo o país.
As propostas de censura são um risco à democracia brasileira e desserviços à opinião pública do país. Ao tentar calar os institutos de opinião, políticos buscam tutelar o eleitor brasileiro, impedindo que tenham acesso aos recortes do momento e ao pensamento médio do eleitorado do país. O Brasil tem inúmeros flagelos e os períodos eleitorais devem ser usados para se debater saídas para os tantos problemas que enfrentamos. Ao jogar o foco para supostos erros nas pesquisas eleitorais, temas fundamentais são relegados ao esquecimento e a falta de compromisso de políticos eleitos para presar pelo bem-estar da população.
Arilton Freres é sociólogo e diretor do Instituto Opinião.