O gesseiro Ronaldo Alves Almeida, morador de Palmas, viveu um pesadelo que poderia ter saído de um romance de Kafka: foi preso por uma dívida de pensão alimentícia em São Paulo, estado que jamais pisou. O motivo? Um mandado de prisão expedido contra um homônimo, com dados pessoais diferentes, mas que constavam como se fossem os dele no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP).
A abordagem aconteceu em fevereiro, quando Ronaldo foi buscar a esposa no trabalho. Detido por policiais, o trabalhador — com 15 anos de profissão — passou 18 dias encarcerado até que a Defensoria Pública do Tocantins comprovasse o erro: o mandado de prisão era direcionado a outro homem, com o mesmo nome e sobrenome, mas com RG, CPF e nome da mãe distintos.
"Não tinha nem onde dormir. Dormi numa pedra lá. Dormi não, passei a noite, que a gente não dorme, né?", relatou Ronaldo, emocionado. “Eu queria saber quem era essa pessoa que me botou na Justiça, que estava com meus documentos.”
Mesmo após audiência de custódia, a Justiça tocantinense manteve a prisão, amparada no mandado emitido por São Paulo. A falha de preenchimento — erro humano, mas com graves consequências — inseriu indevidamente os dados do trabalhador palmense no documento oficial.
Segundo a defensora pública Larissa Pultrini, que atuou no caso, o equívoco gerou um profundo constrangimento:
"Ele teve a imagem exposta, precisou se explicar no trabalho, ficou preso com pessoas que cometeram crimes reais. É um erro grave e haverá pedido de reparação."
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que o mandado de prisão, emitido em PDF, não pode ser editado após assinatura. Cabe aos servidores e magistrados o correto preenchimento dos dados no sistema. Em nota, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou que vai apurar se o erro partiu da unidade judicial ou do próprio BNMP.
Diante da gravidade do episódio, o CNJ avalia mudanças no sistema de identificação para o cumprimento de mandados, incluindo o uso de impressões digitais e reconhecimento facial — tecnologias já aplicadas pela Justiça Eleitoral e nas audiências de custódia. A proposta, ainda em fase inicial, tem o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
"O modelo mais adequado é o que mitiga ao máximo os riscos de falhas como essa", defendeu Délio Lins e Silva Júnior, da OAB Nacional.
Enquanto as instituições discutem melhorias, Ronaldo, que nunca teve dívidas judiciais e tampouco filhos em São Paulo, tenta retomar a vida. Mas as marcas da injustiça permanecem.
"Tem que ter Justiça sobre isso aí, né? Não pode acontecer isso não. Não é só ver o primeiro nome e levar a gente preso. Nem com animal se faz isso", desabafou o gesseiro.