A investigação da Operação Fames-19, que levou ao afastamento do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa, ganhou novos capítulos. A Polícia Federal (PF) localizou, no celular de um dos investigados, uma série de áudios que revelam bastidores do suposto esquema de desvio de recursos públicos em contratos de compra de cestas básicas e frangos congelados durante a pandemia.
As gravações, obtidas pela coluna de Fábio Sepapião no Metrópoles, foram trocadas entre Paulo César Lustosa (PC Lustosa) e seu irmão Wilton Rosa Pires, ambos alvos da operação. Os diálogos trazem menções diretas ao governador afastado e críticas à continuidade de práticas suspeitas no Executivo estadual.
Em um dos áudios, PC Lustosa expressa frustração com o que seria a repetição de esquemas entre gestões:
“Sai da mão do [Mauro] Carlesse, entra na mão do Wanderlei. Meu Deus do céu, você não imagina o esquema que esses caras estão montando aí. Tá difícil, ficou um lugar difícil”, diz ele, insinuando que o grupo próximo ao atual governo teria perpetuado práticas de favorecimento e conchavos.
O investigado chega a citar a Assembleia Legislativa, comentando que “não entra um cara novo” e elogiando o deputado Júnior Gel, dizendo que ele seria um dos poucos que “não aceita propina”.
“Ele não faz conchavo, não. Até com emenda, o cara é certíssimo”, afirma PC Lustosa, mas logo acrescenta que “tem gente que pega por ele”, sugerindo que intermediários se beneficiariam mesmo sem o consentimento direto do parlamentar.
Outro ponto sensível revelado nos áudios é a tentativa de fraudar a prestação de contas das cestas básicas distribuídas. Em uma das conversas, um dos investigados diz estar com o carro cheio de cestas, mas que elas seriam devolvidas após uma suposta fiscalização:
“Eu tô doido pra botar essa cesta lá e esperar amanhã fazer a visita da fiscalização. E depois... colocar novamente a cesta no carro e vou entregar lá pro Rosalino, que ela é emprestada.”
Em outro trecho, há pedido para conseguir 1.500 nomes e CPFs para “completar a lista” de beneficiários, de modo a justificar a despesa:
“Vê se o PC tem alguma coisa ainda da campanha dele. É só nomes e CPF”, diz a mensagem, sugerindo o uso de dados possivelmente irregulares para formalizar a prestação de contas.
De acordo com a PF, os contratos sob suspeita somam cerca de R$ 97 milhões, com prejuízo estimado de R$ 73 milhões aos cofres públicos. O dinheiro, segundo as investigações, teria sido usado para compra de gado, investimentos em empreendimentos de luxo e despesas pessoais.
As mensagens analisadas pela PF também indicam que as propinas eram chamadas de “bênçãos” e pagas preferencialmente em dinheiro vivo, com saques fracionados abaixo de R$ 50 mil para evitar comunicação ao COAF, prática conhecida como smurfing.
O governador afastado Wanderlei Barbosa negou envolvimento nos fatos investigados e afirmou que jamais autorizou qualquer pessoa a agir em seu nome. Sua defesa reforçou que os diálogos mostram que ele “não aceita propina” e que as referências seriam ligadas ao governo anterior.
Barbosa também disse ter determinado auditoria da Procuradoria-Geral e da Controladoria-Geral do Estado, com envio de todas as informações às autoridades competentes.
A primeira-dama Karynne Sotero esclareceu que está separada de PC Lustosa desde 2017 e não tem qualquer vínculo pessoal ou institucional com ele.
A defesa de PC Lustosa disse que os áudios foram tirados de contexto e criticou a PF por divulgar recortes que, segundo ela, não retratam a realidade.
O inquérito tramita sob sigilo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou o afastamento de Wanderlei Barbosa do cargo por 180 dias. A PF afirma haver “fortes indícios” de que o grupo se aproveitou do estado de emergência sanitária para fraudar contratos durante 2020 e 2021.