Por mais de uma década, o silêncio da máquina estatal sobre a recomposição da Polícia Civil do Tocantins gerou um vácuo difícil de ignorar. Agora, com números alarmantes e serviços em colapso, o Ministério Público do Tocantins (MPTO), por meio do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), decidiu recorrer à Justiça.
Na ação protocolada na 1ª Vara da Fazenda Pública de Palmas, nesta terça-feira (22), o MPTO cobra do Estado medidas imediatas para reverter a deterioração estrutural da Polícia Civil, cuja defasagem chega a 1.272 cargos vagos. O número equivale, praticamente, ao total de servidores em atividade: apenas 1.281, menos da metade do efetivo previsto em lei.
O cenário é descrito como crítico. O último concurso para a corporação foi realizado há 11 anos. Desde então, o esvaziamento foi contínuo, sem reposição, agravado por aposentadorias e desligamentos. E a tendência, segundo o Gaesp, é de agravamento: até 2026, o déficit pode ultrapassar 1.400 servidores.
Delegacias que não abrem, perícias que não acontecem
A situação compromete o funcionamento das instituições em todo o Estado. Cinco delegacias estão fechadas — em Abreulândia, Marianópolis, Divinópolis, Monte Santo e Pugmil, deixando regiões inteiras sem atendimento da Polícia Judiciária. Outras tantas operam com horário reduzido, entre 8h e 14h, ou sem delegado titular.
Na atividade pericial, o estrangulamento é ainda mais severo. O Gaesp aponta que há um déficit de 132 peritos, o que representa 42,7% das vagas. Quatro núcleos de Medicina Legal foram desativados: Tocantinópolis, Araguatins, Colinas e Guaraí. Há casos em que sequer se requisita perícia em local de crime por absoluta falta de pessoal.
Estado sem planejamento
Em resposta oficial enviada ao MP em abril de 2025, a administração estadual reconheceu que não há estudos ou cronograma para a realização de concurso público. A constatação reforça a tese de omissão institucional sustentada na ação judicial.
Assinada pelo promotor de Justiça João Edson de Souza, coordenador do Gaesp, a ação pede, entre outros pontos, que o Estado seja obrigado judicialmente a:
Publicar edital de concurso público em até 90 dias;
Realizar as provas em até 120 dias;
Reabrir as delegacias desativadas com remanejamento de servidores ou plantões emergenciais;
Credenciar médicos especialistas para suprir a carência na perícia médica, em até 60 dias;
Ampliar o funcionamento das delegacias do interior para o horário das 8h às 18h, com garantia de plantões regionais a no máximo 120 km de distância.
Para o MPTO, a omissão estatal compromete não apenas a estrutura da segurança pública, mas a própria noção de Justiça acessível à população.
“Não é mais possível manter esse cenário de precariedade como se fosse normal. A segurança pública precisa deixar de ser tratada como um anexo do orçamento e voltar a ser prioridade do Estado”, declarou o promotor João Edson.
Agora, cabe ao Judiciário decidir se a omissão institucional será corrigida pela via judicial ou se a população do Tocantins continuará à mercê de um sistema em colapso.