Vivemos um tempo de desertificação afetiva. Não é exagero, é constatação. A amizade, que um dia florescia nos encontros fortuitos, nas conversas sem propósito e nos laços que se construíam com o tempo, agora virou um projeto logístico, um item de agenda, quase uma negociação de calendário.
O fenômeno que os americanos já chamam de Friendship Recession (Recessão das Amizades) vai além de uma estatística de pesquisa social. É um sintoma cultural. Em 2023, o governo dos Estados Unidos reconheceu a solidão como um problema de saúde pública, comparável ao cigarro em termos de danos à saúde física e mental. Depressão, doenças cardíacas, queda de produtividade — tudo isso nasce, muitas vezes, da ausência de laços humanos significativos.
A hiperconexão digital, ao invés de aproximar, distanciou. Estamos todos online, mas quase ninguém verdadeiramente presente. O laço íntimo virou vínculo útil. O amigo virou contato. O desabafo virou consultoria informal por WhatsApp. O afeto precisa agora justificar sua existência. Se não entrega uma utilidade prática, some. Na lógica da produtividade, não há espaço para o gratuito, para o tempo sem função, para o estar junto só por estar.
Segundo o Pew Research Center, 61% dos adultos nos EUA acham difícil fazer novos amigos. Pior: 44% perderam vínculos que tinham antes da pandemia. No Brasil, ainda carecemos de dados tão específicos, mas quem vive no mundo real sente o mesmo vácuo. O cansaço não é só físico, é emocional. Estamos exaustos para manter vínculos.
As amizades de “baixa manutenção” são a nova norma. Contatos que sobrevivem sem frequência, que aceitam o silêncio como resposta, que permanecem na lista de transmissão, mas fora da rotina de encontros. É pouco? Talvez. Mas, para muitos, é o que dá.
Em contrapartida, surge uma reação cultural de resistência: festivais que proíbem celulares, jantares com recolhimento de aparelhos, projetos de moradia compartilhada entre amigos, reencontros que viram verdadeiros eventos quase cerimoniais. Estar junto deixou de ser casual. Virou escolha consciente, quase um ato político.
A era das amizades espontâneas está morrendo. O afeto virou um bem escasso, um luxo emocional. Quem ainda tem a graça de um vínculo profundo, preserve. E quem sente a ausência, talvez precise entender que, no fim das contas, manter uma amizade hoje é um ato de resistência contra um mundo que nos quer cada vez mais produtivos — e cada vez mais sós.