A cada mudança de governo, o cenário se repete como uma peça já ensaiada. De repente, os corredores do poder se enchem de silêncios, portas se fecham e figuras antes influentes desaparecem do palco. O que sobra é uma multidão de órfãos, não apenas pessoas, mas também os órgãos do poder que, de um dia para o outro, ficam sem direção.
Secretarias, autarquias e instituições que deveriam ser permanentes tornam-se vulneráveis. Sem o respaldo político do chefe que as sustentava, veem-se obrigadas a buscar abrigo no novo comando. É aí que começa o “resgate dos órfãos”: o movimento calculado para garantir sobrevivência, mesmo que isso signifique mudar o discurso, apagar o passado e vestir novas cores.
Esse processo, contudo, escancara uma ferida antiga da política brasileira: a fragilidade institucional. Em vez de servirem ao povo de forma estável, muitos órgãos se transformam em extensões do governante de ocasião. Perdem a identidade, tornam-se moedas de troca, espaços de barganha. E, assim, a máquina pública, que deveria ser patrimônio da sociedade, é tratada como território de conveniência.
Há, no entanto, um lado humano que não pode ser ignorado. Por trás de cada órgão estão servidores que temem a instabilidade, famílias que dependem da continuidade de políticas públicas e cidadãos que aguardam serviços básicos. Quando uma secretaria ou fundação é abandonada à própria sorte, quem sofre não é apenas o político que perdeu espaço, mas toda a comunidade que fica órfã de direitos.
O “resgate dos órfãos do poder” poderia ser uma oportunidade de reconstrução. Um momento de reafirmar as instituições como pilares do Estado e não como propriedade temporária de governos. Mas, enquanto prevalecer a lógica da sobrevivência política, viveremos em um ciclo interminável: governos que mudam, órfãos que se multiplicam e um povo que, no fim das contas, continua esperando o resgate que nunca chega.