Desde que o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) foi afastado do cargo por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma onda calculada de mensagens e publicações digitais tenta consolidar uma única versão: a de que tudo não passa de uma perseguição política. Segundo essa narrativa, haveria um complô orquestrado por adversários e pelo vice-governador para afastá-lo do poder. Nenhuma palavra, porém, sobre os R$ 73 milhões em contratos suspeitos ou sobre os documentos e áudios revelados pela Polícia Federal e divulgados pelo Fantástico, da TV Globo.
A estratégia é antiga e conhecida: fugir dos fatos, inflar a emoção e transformar um caso de corrupção em drama moral.
A defesa de Wanderlei repete o roteiro usado por outros governadores tocantinenses que enfrentaram denúncias semelhantes: a acusação vira “arma política”; o afastamento, “golpe institucional”; a prova, “armação de adversários”. Blogs, páginas e perfis ligados ao grupo político do ex-governador publicam diariamente a mesma mensagem, ora em tom de desabafo, ora em formato de indignação popular.
Enquanto isso, as investigações seguem amparadas por decisão colegiada do STJ, operações da Polícia Federal e laudos técnicos que apontam o uso de empresas de fachada e notas fiscais falsas na compra e distribuição de cestas básicas durante a pandemia. A Operação Fames-19 não é um rumor: é um processo com rastros contábeis, quebras de sigilo e apreensões em espécie.
Mas, em vez de contestar tecnicamente as provas, o discurso oficial insiste em dramatizar a política e vitimizar o poder.
O Tocantins vive um ciclo que se repete há quase duas décadas: governadores eleitos se apresentam como redentores do Estado e, diante das denúncias, viram vítimas de forças ocultas. Foi assim com Marcelo Miranda, com Mauro Carlesse e agora com Wanderlei Barbosa. O argumento é sempre o mesmo: o inimigo é invisível, o erro é dos outros, e a Justiça é injusta.
O que não muda é o resultado: o descrédito das instituições e o enfraquecimento da confiança pública. O Estado mais novo da federação envelheceu politicamente rápido, e a cultura da impunidade revestida de autopiedade tornou-se uma espécie de tradição política.
A narrativa da perseguição serve bem a quem quer preservar capital político e adiar o enfrentamento dos fatos. Mas ela não resiste ao peso das provas. O STJ, em decisão unânime, descreveu um “núcleo político liderado por Wanderlei e pela primeira-dama Karynne Sotero”, com influência sobre contratos emergenciais firmados durante a pandemia. A PF apontou o envolvimento de empresários, servidores e familiares, além de movimentações financeiras que sugerem lavagem de dinheiro e desvio de finalidade de recursos públicos.
Diante desse quadro, não há perseguição, há investigação, decisão judicial e rastros contábeis. O resto é teatro político.
Ainda assim, é fundamental lembrar: todo acusado tem direito à ampla defesa e ao contraditório. Respeitar o devido processo legal é o que distingue a Justiça da política. Mas isso não impede nem deve impedir que os fatos sejam analisados com rigor e responsabilidade.
O problema do Tocantins não é a ausência de líderes, mas o excesso de personagens. Políticos que, diante da lei, deixam de se explicar e passam a interpretar o papel de mártir. Wanderlei não inventou a retórica da vítima; apenas aperfeiçoou a tradição de transformar escândalos em discursos sobre injustiça.
Enquanto o Estado tenta reconstruir sua credibilidade, a pergunta que fica é incômoda: quantas vezes mais o Tocantins aceitará a mesma desculpa contada com novas palavras?