Ex-vereador entre 2009 e 2020, ex-secretário municipal de infraestrutura e de desenvolvimento econômico da capital, Milton Neris de Santana, de 49 anos, chegou à estrutura atual do governo estadual ao ser nomeado secretário executivo na Governadoria, em novembro de 2021, após Wanderlei Barbosa (Republicanos) assumir o governo no lugar de Mauro Carlesse (Agir).
Se desincompatibilizou em abril do ano passado para concorrer a uma cadeira de deputado federal na Câmara dos Deputados, pelo PTB. Derrotado, mesmo com os 4.422 votos obtidos, voltou ao governo estadual em março deste ano, nomeado como secretário executivo da Secretaria da Indústria, Comércio e Serviços (Sics), pasta comandada pelo empresário Carlos Humberto Duarte de Lima e Silva. Dois meses depois, passou a compor o Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico.
Assim que assumiu o cargo, que era ocupado por uma mulher, servidora de carreira, concursada como gestora pública, as servidoras afirmam que os dias ficaram mais penosos na pasta, segundo três relatos de servidoras que romperam o silêncio sobre o que as mulheres enfrentam na pasta. Um dos relatos é uma denúncia levada primeiro à Ouvidoria Geral do Estado de forma anônima, por uma servidora concursada do Executivo, no dia 28 de março deste ano, que imputa investidas de teor sexual a Milton Neris. Casada, a servidora não suportou mais as cantadas do executivo que a chamava de “minha princesa, minha paixão, na frente de todos, inclusive em reunião com pessoas de fora da pasta”.
A vítima passou a tomar remédios para controlar a ansiedade.
“Eu estou tomando remédio para dor no estomago de tão nervosa que eu fico, pois imagine se meu marido descobre que tem um homem no trabalho me chamando de minha princesa e paixão”, afirma a servidora que classifica a situação das mulheres na pasta como “insuportável”. Na denúncia, ela afirmava precisar “muito do emprego” e pedia ajuda à ouvidoria de maneira anônima, pois tinha medo “de perder o emprego”.
Registro de assédio moral vai parar na Polícia Civil
Outra servidora, de 41 anos, foi adiante e procurou a Polícia Civil para registrar um Boletim de Ocorrência no dia 14 de setembro. Ela imputa assédio moral ao secretário executivo Milton Neris dentro do ambiente de trabalho. Com os dados da ocorrência, o JTo conversou com a autora da denúncia, que pediu para não ser identificada. Por telefone, nesta sexta-feira, 29, a servidora conta que desde que o secretário executivo assumiu o cargo começaram os assédios contra as mulheres.
“Nós tivemos uma alteração de gestão em fevereiro deste ano e a secretária executiva foi substituída e quem assumiu foi o Milton Neris, e foi aí que começou o inferno. Ele iniciou com um assédio sexual, importunação sexual contras as mulheres. Ele tem uma mania terrível de falar com a gente tocando ele se porta dessa forma”.
Ela conta que o secretário importuna as mulheres frequentemente no ambiente de trabalho. E em abril deste ano, as vítimas registram os casos na ouvidoria do governo.
“Ele chamava a gente de ‘princesa’ de ‘paixão’ e não importava onde estivesse que ele queria mostrar alguma intimidade muito próxima com a gente. Assim como eu, outras mulheres da secretaria sempre nos afastamos, porque ele tinha uma forma muito invasiva. E como uma forma de tentar coibir, nós cadastramos várias denúncias no sistema da ouvidoria do governo”.
Ela disse que os gestores chamaram o secretário executivo para conversar e a situação amenizou. Logo em seguida, ele ficou afastado por Covid-19 por cerca de 40 dias e quando retornou, os assédios também voltaram.
“Ele ficou uns 40 dias afastados foi quando voltamos a ter paz na secretaria, mas quando ele retornou para pasta começou o inferno de novo”.
Ela confirma a situação de assédio moral sofrida e registrada na Polícia Civil.
“A situação que me fez registrar o Boletim de Ocorrência foi a seguinte: o secretário estava numa missão na China com o governador, e aí o secretário me pediu para fazer uma reunião. E por essa situação ele [Milton Neris] se sentiu desrespeitado dizendo que eu tinha furado a hierarquia e quem estava ali era ele, que era ele que mandava, e eu disse que estava apenas obedecendo a uma ordem”.
Nessa situação, a servidora ressalta que o titular agiu de forma desrespeitosa com ela na frente de outras pessoas.
“Ele ficou muito exaltado, ele gritava na sala onde tinham mais três pessoas, nós estávamos com as porta fechadas, mas ele gritava tão alto comigo que o pessoal que estava do lado de fora ouviu o gritos, até que a assessora entrou na sala e pediu para ele abaixar o tom de voz porque tudo que estava sendo dito dava para ouvir do lado de fora”.
Ela destaca que o secretário usa do poder para intimidar as servidoras.
“Então foi uma situação muito constrangedora, ele faltou com a humanidade. Mas ele tem o hábito de fazer isso, ele sempre utiliza o nome do governador, diz que é amigo dele. E isso faz com que as pessoas fiquem intimidadas”.
A vítima enfatiza que no dia em que esteve na delegacia, outras duas servidoras efetivas da pasta a acompanharam e prestaram depoimento sobre o caso como testemunhas.
“As outras servidoras que têm contratos temporários não quiseram ir voluntariamente com medo de perder seus empregos. Mas minha testemunha relatou várias outras situações de assédio”.
A servidora conta ainda que quando ocorreu o assédio ligou no mesmo dia para o secretário que estava retornando da China.
“Falei que eu ia registrar boletim de ocorrência e que eu ia fazer denúncia no Ministério Público e não ia deixar isso barato, porque isso não pode acontecer com ninguém”.
Ela lembra que ficou afastada por 10 dias, mas teve um problema de saúde na noite de quinta-feira, 28. Ao titular, revelou abalo psicológico que a afastou das atividades na pasta, para tratamento médico, em razão das constantes crises de ansiedade e pânico e com a utilização de medicação controlada.
Consequências do que viveu
A servidora relata que depois do episódio de assédio moral, precisou fazer tratamentos para cuidar da saúde física e mental.
“O meu corpo está todo desestabilizado, está todo fora do normal, eu estou em tratamento psiquiátrico, eu tenho que fazer terapia porque foi em um nível de desrespeito máximo e ele tenta fazer isso com todas as colaboradoras”.
Ela descreve as consequências em seu organismo.
“Eu estou há mais de 10 dias com diarreia. Estou tendo crises de ansiedade todos os dias. Eu tive crise de pânico e fui parar lá no hospital. Quando eu cheguei lá eram três médicos dentro da sala, eu tive crise de pânico dentro do consultório médico. Eu já perdi 5 quilos em 10 dias, não consigo comer, estou tomando remédio controlado para dormir. E tem várias servidoras que estão na mesma situação”.
O caso da servidora é investigado pela 1ª Central de Atendimento da Polícia Civil e foi autuado como injúria cometida ofendendo a dignidade ou o decoro, prevista no artigo 140 do Código Penal Brasileiro.
O que diz o governo
A Secretaria de Estado da Indústria, Comércio e Serviços informou, por meio de nota, ter tomado conhecimento do caso e acionado a Controladoria Geral do Estado, “que está apurando os fatos para eventual responsabilização”. A pasta afirma ainda não compactuar “com as condutas denunciadas ou quaisquer outras que atentem contra o respeito, a individualidade e a ética profissional com qualquer de seus servidores”.
O que diz o secretário executivo
Milton Néris nega ter cometido assédio sexual por ter princípios que diz zelar e transmitir “com orgulho” e um deles é o “respeito às mulheres”. O secretário disse ver com estranheza que as vítimas tenham “preferido registrar denúncias e no anonimato apenas no âmbito da ouvidoria” para crime que considera “terrível”, mas ressalta ter a consciência limpa de que não cometeu “qualquer tipo de assédio”.
O secretário também confirma apenas ter questionado encaminhamentos dados pela servidora que registrou o Boletim de Ocorrência em abordagem que ocorreu diante de outras pessoas.
“Ao meu ver, isso teria gerado seu descontentamento a ponto de interpretar como assédio moral”.
Íntegra da nota do secretário executivo
“Sobre o Boletim de Ocorrência (BO) registrado pela servidora em questão, às vezes em que tive contatos com ela foram restritos a trabalho e na presença de outras pessoas. Em alguns desses encontros, na condição de gestor, enquanto secretário executivo da pasta em que atuamos, diante de testemunhas, sem assediá-la moralmente, questionei encaminhamentos dados por ela em questões que envolviam pareceres jurídicos.
Ao meu ver, isso teria gerado seu descontentamento a ponto de interpretar como assédio moral. Como homem idôneo e que tem uma carreira pública sólida, sempre prezei pela igualdade e pelo respeito às pessoas e não faz parte da minha conduta denegrir ou assediar ninguém. Sobre supostos assédios sexuais contra outras servidoras, nego que tenham ocorridos. Sou casado, tenho filhos e filha e princípios que zelo e transmito a eles com orgulho.
O respeito às mulheres é um deles. Me causa estranheza que essas supostas vítimas tenham preferido registrar denúncias e no anonimato apenas no âmbito de uma Ouvidoria. Considero assédio sexual um crime terrível, que também deve ser tratado e punido no âmbito das autoridades policiais competentes. Estou com minha consciência limpa de que não pratiquei qualquer tipo de assédio e estou à disposição para mais esclarecimentos para que os fatos sejam devidamente apurados.”
* Matéria de autoria dos jornalistas Lailton Costa e Débora Gomes e publicada originalmente no Jornal do Tocantins